Um dogma começa a derreter
Veja - 11/06/2012 |
Defensores da tese de que o aquecimento global é culpa
do homem e resultará na destruição do planeta ainda neste século mudam
de opinião e engrossam o grupo dos céticos sobre as previsões
apocalípticas do painel climático da ONU
Foi como se toda a cobertura do Ártico, o equivalente a
quase o dobro da área do Brasil, desabasse, derretida, sobre a tese de
que o homem é o grande vilão do aquecimento global. Em uma entrevista
ao site da rede de TV americana NBC, no fim de abril, o ambientalista
inglês James Lovelock, de 92 anos, ainda lúcido, afirmou ter sido
alarmista em suas considerações sobre as mudanças no clima. "Foi uma
tolice de minha parte", reiterou Lovelock a VEJA. "O ser humano não é
mais culpado do que as árvores no que diz respeito ao aumento das
temperaturas." Nem o Climagate, o escândalo sobre a manipulação de dados
nos relatórios do IPCC, o painel climático da ONU, foi um golpe tão
duro para os defensores da ideia de que a humanidade vive uma
emergência planetária iminente, resultado da emissão excessiva de CO2
na atmosfera, quanto as palavras de Lovelock. Autor da Hipótese Gaia,
segundo a qual a Terra é um superorganismo que se autorregula e, cedo
ou tarde, reagiria às agressões devastadoras do homem à natureza,
Lovelock é um decano do ativismo ambiental moderno. Eleito um dos
heróis do meio ambiente pela revista Time, em 2007, ele se tornou, ao
lado do ex-vice-presidente americano Al Gore, um dos mais inflamados
profetas do fim dos tempos na década passada. Até mudar de ideia,
Lovelock reverberava previsões aterrorizantes sobre o futuro do planeta.
Em uma delas, ele afirmava que 80% da população mundial seria dizimada
por catástrofes até 2100. Os 20% restantes viveriam no Ártico, com
pouca água e comida. O revisionismo de Lovelock é ainda mais ruidoso
porque grassa o senso comum do fim do mundo atrelado ao aquecimento. No
evento Green Nation Fest, que aconteceu de 31 de maio a 7 de junho, no
Rio de Janeiro, antessala da Rio+20, os visitantes foram levados a
experimentar as sensações de habitar um planeta afetado pelo degelo,
pelas queimadas e pelas inundações. Tal qual um parque de diversões ao
avesso, a simulação fez muito sucesso. E, no entanto, a realidade é
outra, menos tristemente espetacular.
Lovelock não foi o único cientista de renome a
protagonizar uma mudança de prumo recentemente. Em setembro do ano
passado, o físico norueguês Ivar Giaever, laureado com o Nobel em sua
área, em 1973, deixou a Sociedade Americana de Física (APS) por
discordar da postura da instituição em relação ao tema. Disse Giaever,
na ocasião: "A APS aceita discutir se ocorrem alterações na massa de
um próton ou os múltiplos universos, mas a evidência do aquecimento
global é indiscutível? Esse assunto está se tornando uma religião. Sou
um descrente". Com a declaração, Giaever passou a fazer parte de um
grupo de estudiosos, agora engrossado por Lovelock, que questionam a
ação humana no aumento das temperaturas e desconfiam do armagedon. São
os céticos do aquecimento. Esses dissidentes, ressalte-se, não negam o
fato de que o planeta está mais quente - quase todos os cientistas
hoje concordam que a temperatura média da terra subiu 0,8 grau no
século passado. A divergência recai sobre as causas da oscilação.
Para os céticos, as alterações não se devem à queima
excessiva de carvão e petróleo, mas a um ciclo natural de aquecimento e
resfriamento da Terra. O planeta teria passado por pelo menos quatro
outros períodos de aquecimento semelhantes nos últimos 650000 anos,
muito antes da Revolução Industrial, no século XIX. "Forças mais
poderosas do que a ação humana influenciam o clima, como a radiação
solar e a oscilação na temperatura dos oceanos", diz o geógrafo Gustavo
Baptista, do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília. "É
presunção achar que os homens têm mais influência no clima do que as
atividades que moveram placas tectônicas."
A negação de uma versão radical de aquecimento global
não é postura exatamente nova. Em 1990, quando o IPCC divulgou seu
primeiro relatório, alguns cientistas já expunham opiniões contrárias
às considerações da ONU. Erros nos relatórios, previsões não
concretizadas e a revelação de fraudes em pesquisas fomentaram o
aumento no grupo de negadores. O fato que mais abalou a hipótese do fim
do mundo do lPCC, afirma a turma do contra, foi a estabilização das
temperaturas nos últimos dez anos, o que contraria todos os relatórios
do grupo. No vazamento de e-maíls do Climagate, em 2009, o cientista do
IPCC Kevin Trenberth mostrou-se aflito. Escreveu Trenberth: "Não
podemos explicar a falta de aquecimento no momento. Isso é uma farsa
que não podemos manter". Os céticos sugerem que as falhas no cálculo
das temperaturas revelam a fragilidade dos modelos computacionais
usados pela ONU. Segundo eles, os modelos do IPCC exacerbam os efeitos
do CO2, ignoram outras variáveis e resultam numa falsa previsão de
aquecimento.
É difícil dizer quem está certo, os céticos ou os
radicais - no impasse do aquecimento global. Ambos os lados dispõem de
evidências para justificar suas teses. Os relatórios do "IPCC são
elaborados por 3000 cientistas de diversos países e constituem o maior
conjunto de informações disponíveis sobre os fenômenos do clima. Os
céticos se baseiam em registros geológicos e paleontológicos que
mostram a ocorrência de alterações semelhantes no clima há centenas de
milhares de anos.
A discussão, em si, não é um problema. Dos debates
nascem as melhores soluções para uma questão. O perigo está no
dogmatismo e na polarização exagerada. "Mentalidades doutrinárias
produzem soluções irrealistas e impedem que se chegue a um meio-termo
inteligente", disse a VEJA o cientista político dinamarquês Bjorn
Lomborg, um dos mais notórios céticos. Para o climatologista americano
Richard Lindzen, o risco é a politização. Diz Lindzen: "Quando uma
questão se torna parte do programa político, a posição politicamente
aceitável passa a ser o objetivo e não a consequência da pesquisa
científica". É possível que todas as ponderações dos céticos - e dos
cientistas que reviram suas posições a respeito do aquecimento global
recentemente - se mostrem equivocadas com o passar dos anos. Não
existem certezas absolutas na ciência. No entanto, não há como negar a
contribuição do ceticismo para a elucidação da questão climática. Como
disse o biólogo inglês Thomas Huxley, um dos pais do pensamento
científico moderno, o ceticismo é um dos maiores deveres. A fé cega é um
pecado imperdoável.
"Foi uma tolice de minha parte"
Decano do ativismo ambiental moderno, o ambientalista
inglês James Lovelock, de 92 anos, converteu-se em um dos mais radicais
arautos do fim do mundo ao anunciar, no livro A Vingança de Gaia, de
2006, a ocorrência iminente de catástrofes naturais resultantes do
aquecimento global. Prestes a lançar um novo livro sobre mudanças
climáticas, o último da trilogia que inclui A Vingança de Gaia e Gaia: o
Alerta Final, Lovelock declarou ter exagerado em seus presságios.
O senhor previu que, no fim deste século, 80% da
população mundial seria dizimada por furacões e inundações. O que o
senhor pensa hoje?
Essa previsão sobre 2100 foi uma tolice de minha
parte. Minha conclusão surgiu das primeiras estimativas do IPCC. O
problema é que na ocasião, há duas décadas, nós, cientistas,
acreditávamos ter um conhecimento acurado do que estava acontecendo com
o clima. Estávamos equivocados. Não apenas desconhecemos o que está
ocorrendo hoje em relação às mudanças climáticas, como também não temos
ideia do que será do clima daqui a noventa anos. Nem sequer temos como
prever de que forma os seres humanos vão reagir às possíveis
consequências de um aumento das temperaturas. Se a maior parte da
população mundial se mudar para as cidades, como parece estar
acontecendo, então será muito mais fácil e menos custoso esfriar as
cidades, e não o planeta.
O senhor ainda acredita que o homem é o vilão do aquecimento global hoje?
Não há vilão algum no aquecimento global. Os humanos
não são mais culpados por colocar CO2 no ar do que as árvores por
produzir oxigênio.
O aquecimento global está ocorrendo em velocidade aquém da esperada. Por quê?
O aquecimento global é um assunto que precisa ser
atualizado frequentemente e com exatidão. As projeções feitas no começo
deste século tendem a ser superestimadas. Minha preocupação maior, no
entanto, é a incerteza sobre o ritmo do aumento das temperaturas. É
sensato presumir que serão mais altas, mas não quão mais altas serão.
Os politicos estão assumindo que as projeções sobre o futuro do clima
são tão precisas quanto o horário de chegada dos ônibus ingleses.
Sua nova percepção do aquecimento global afeta de alguma forma sua Hipótese Gaia?
Ser menos alarmista em relação ao aquecimento global
não muda em nada minha ideia central. Gaia é um sistema fisiológico
dinâmico que mantém nosso planeta apto para a vida há 3 bilhões de
anos. A minha teoria de Gaia está muito bem estabelecida, só ainda não
houve tempo de incorporá-la nos grandes modelos climáticos.
|
0 comentários:
Postar um comentário