terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Países desenvolvidos aconselham uma polícia civil a serviço do povo...

Por: Hélio Bicudo


Ademais, os exemplos citados não abonam a tese do general-ministro, porque, na França, a gendarmerie é apenas um resquício tradicional, pois a polícia que conta é a polícia nacional, que é civil, e tanto na França quanto na Itália, ou em Portugal, os policiais são julgados nos crimes de função pela Justiça Comum. Quanto ao Chile e outros países da América Latina - que mantêm a "Polícia Militar" -, ressalte-se que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem feito reiteradas recomendações no sentido de que entreguem, com exclusividade, as atividades de policiamento às autoridades civis. Isto porque tal Comissão tem constatado que os índices de violações de direitos humanos se avolumam e restam, todavia, impunes quando se entrega a segurança pública ao mando militar. Nesse sentido, advirta-se que as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos devem ser cumpridas pelos países que firmaram e ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos, como é o caso do Brasil, pois, segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, os Estados não se podem esquivar daquilo que convencionaram em nível internacional, devendo cumpri-lo de "boa-fé".

O ministro Alberto Cardoso declara, ainda, que o fórum apropriado para a discussão dessa problemática é o Congresso Nacional. Sem dúvida que o é, mas em última instância, pois o lugar e o momento apropriados são os da sociedade civil, que procura encontrar caminhos para sua segurança, independentemente dos interesses corporativos que se instalam no próprio governo, seja no Executivo, seja no Parlamento. Neste último, os lobbies, alimentados pela complacência do Executivo ou até mesmo pelos interesses daqueles que nele se sobrepõem aos interesses populares, têm sistematicamente impedido que se avance no sentido da construção de uma polícia realmente próxima do povo e que atenda às suas demandas.

O resultado dessa atitude, ao esquecer os interesses maiores da comunidade dos brasileiros, aí está, com o crescimento, quase sem peias, da violência policial em todo o país. Como já pontuou o ouvidor da polícia de São Paulo, o sociólogo Benedito Domingos Mariano, por força de um regimento disciplinar que segue as linhas do rde (Regulamento Disciplinar do Exército), as infrações interna corporis são punidas com rigor, deixando-se impunes os delitos cometidos contra o povo, fora dos muros dos quartéis.

A pesquisa já referida, realizada pelo Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, quando dos 10 anos de justiça militar das Polícias Militares neste estado, constatou uma impunidade de cerca de 95% dos delitos cometidos nas ruas, contra civis, pelos milicianos.

Essa espantosa impunidade, mola da violência, como já se acentuou, determinou a apresentação de projetos de lei com o objetivo de obter a transferência da competência do processo e julgamento de crimes cometidos pela Polícia Militar em funções de policiamento à Justiça Comum. Entretanto, nesse campo muito pouco se avançou: apenas o julgamento dos crimes dolosos contra a vida passaram à alçada da Justiça Comum. Todo o mais, inclusive as investigações sobre aqueles delitos, permanece nas mãos dos órgãos policiais militares: os conselhos de justificação e as auditorias. E isto se deve a que os órgãos do Poder Executivo Federal não se dispõem a abrir mão do poder que detêm sobre um efetivo militar muito próximo e até mesmo superior aos das Forças Armadas. Os lobbies nesse sentido paralisaram, no Senado Federal, projeto aprovado na Câmara dos Deputados, que busca alcançar a maior abrangência da competência da Justiça Comum na elucidação e no julgamento dos crimes praticados por policiais militares em suas atividades de policiamento, aliás, na forma do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, cristalizado em súmula, que determinava a submissão de todos os crimes cometidos por PMs no exercício de suas atribuições policiais à Justiça Comum.

A esse propósito convém lembrar que a CPI que investigou, em 1991, a eliminação de crianças e jovens em todo o país, constatou que a responsabilidade por todo esse extermínio cabia, na sua maior parte, às Polícias Militares e que a violência crescia na mesma proporção da impunidade que beneficiava os milicianos, pois o processo investigativo e o julgamento desses casos cabiam a uma justiça especial das próprias corporações policiais militares. Não foi por outro motivo que a CPI resolveu oferecer projeto para que se retornasse ao sistema que vigorara até abril de 1979, quando, por reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, o processo e julgamento dos crimes cometidos por oficiais e praças das Polícias Militares, nas atividades de policiamento, que são consideradas atividades eminentemente civis, eram da competência da Justiça Comum. Foi, aliás, a partir daquela data, com a edição do chamado "pacote de abril", que se ampliou a competência da Justiça militar das PMs, para abranger também esses delitos.

Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000300010 

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