quinta-feira, 6 de outubro de 2011

“Bandidos de toga”: Veja entrevista de Eliana Calmon, do CNJ

Declarações da ministra corregedora provocam briga dentro da cúpula do judiciário nacional.


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está com a corda no pescoço. Principal instrumento do Poder Judiciário para acabar com a corrupção, o órgão pode ter suas funções esvaziadas a qualquer momento. Recentemente, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, concedeu uma entrevista à Associação Paulista de Jornais que provocou uma crise no judiciário, que está em pé de guerra com o CNJ. Em uma de suas declarações, a corregedora diz que existem “bandidos escondidos atrás da toga”. Veja os principais trechos da entrevista da ministra corregedora:

Ministra, quais são as principais ações da senhora na Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça?

Eliana Calmon - Desde que assumi em setembro do ano passado, tenho entendimento de que a Corregedoria do CNJ não é para ter apenas função disciplinar. A Corregedora também tem por função orientar, direcionar, dirigir e facilitar a magistratura. Corregedoria é também corregência. Tenho trabalhado nestas duas posições. De orientação, de desmanchar os nós que se apresentam na condução da atividade jurisdicional e, ao mesmo tempo, a questão disciplinar dos magistrados que estão, de alguma forma, com algum problema no seu comportamento como julgador.

Como o CNJ identifica os problemas e onde é preciso mais investimento para agilizar a Justiça?

EC - Através de inspeções. Isso nós fazemos, é um trabalho constante. Nossa equipe é muito pequena e nos ressentimos disto. Temos apenas 40 pessoas, contando com os juízes e comigo. Muito pouca gente, mas o que vamos fazer? Inclusive, quando vamos para inspeção, começamos também a fazer a triagem de problemas disciplinares. Magistrados que não estão cumprindo seus deveres, processos que estão paralisados por vontade própria e que estão guardados nas prateleiras, dentro dos armários. Temos encontrado muitas coisas feias, que as corregedorias são incapazes de tomar partido, muitas vezes por corporativismo e outras vezes porque o plenário não dá guarida ao corregedor. O Órgão Especial não deixa ou não tem quórum para condenar o juiz, muitas vezes por fatos gravíssimos.

Pegando o exemplo de São Paulo, onde faltam prédios, juízes e estrutura, como a senhora faz? A senhora cobra do governador mais recursos para o Tribunal de Justiça?

EC - Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ e o presidente do Supremo Tribunal Federal é paulista.

Apesar de já ter projetos atualmente em discussão no Congresso Nacional, a modernização dos códigos Civil e Penal tem demorado para ser implementada. Por que isto acontece e quais mudanças que estão em discussão a senhora destaca como mais importantes?

EC - Todo código é muito demorado. Quando se faz a lei, ele já está defasado. Com a velocidade da vida, os códigos ficam envelhecidos. Acho que as codificações pecam por interesses que nem sempre são da Justiça. Acho que o processo penal brasileiro está em absoluta crise, porque tem prevalecido teses jurídicas dos grandes escritórios de advocacia. (...) Na medida em que você demora muito na Justiça, você começa a criar os atritos e os problemas. Se for rápido, também dá ensejo a que exista menos recursos e menos corrupção. A corrupção também existe porque o processo demora tanto que neste interregno começa a haver uma série de incidentes. A Justiça é muito entupida porque um conflito na sociedade gera dez processos. Ninguém aguenta este grande número de recursos.

Há atualmente uma enorme pressão para que o STF reduza as competências do CNJ, proibindo-o de investigar e punir juízes acusados de corrupção e ineficiência antes que as corregedorias do tribunais de Justiça dos Estados façam este trabalho de apuração e julgamento. Por que há esta pressão e como a senhora se posiciona?

EC - Já disse e está em todos os jornais. Acho que isto é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga.

O CNJ tem enfrentado dificuldade para punir os casos de juízes e promotores acusados de corrupção? Por quê?

EC - Já começa a ter dificuldade.

Como eliminar estas dificuldades?

EC - A palavra está com o Supremo Tribunal Federal.

Como a senhora analisa os casos recorrentes de corrupção na política, principalmente no governo federal?

EC - Estamos em uma intimidade indecente entre cadeia de poderosos e isto tudo está acontecendo em razão de um esgarçamento ético muito grande. Não existem culpados. A sociedade caminhou para este grande abismo e hoje precisa resgatar isto. Está difícil resgatar porque na sociedade capitalista o valor maior é o dinheiro. E as pessoas só entendem esta linguagem. A linguagem moral e ética é uma linguagem fraca dentro de uma sociedade de consumo. Mas chegamos a um estágio de tanto esgarçamento que ou partimos para uma posição de radicalizar uma providência contra a corrupção ou nós não vamos sobreviver como nação civilizada. Estamos pagando muitos impostos e esses impostos estão indo pelo ralo. E uma sociedade tranquila como a brasileira, uma sociedade meio anestesiada, quase que já se banalizou a corrupção. Mas a sociedade já está mostrando muita impaciência. Acredito que já estamos chegando ao fundo do poço e, quando isto acontece, temos que partir para decisões muito drásticas. O que não é bom para a democracia, mas às vezes é necessário.

Fonte: Extra Alagoas - AL 06/10/2011 - 13:45

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